A PESTE (Albert Camus)
Em 16 de abril de 1940, Dr. Bernard Rieux, sai do consultório e tropeça num rato morto. Primeiro sinal aparente da “peste” que se alastrou em Orão, na Argélia, colônia Francesa. Quarentena, ar irrespirável, sofrimento, loucura, mas com muita compaixão da sua população.
Horror, resistência do ser humano, dilema ético de abandonar a cidade ou esperar passivamente o fim de todos. A solidariedade das pessoas – responsabilidades de nossas escolhas – não apenas frívolas ou impensadas respostas sobre a vida, são o dilema central do romance. Famílias separadas, cidade fechada pelo decretado “Estado da Praga”, quarentena e ações para impedir a expansão da doença são temas que estamos discutindo diariamente, com grupos barulhentos a favor da abertura geral e outros, acreditando nas respostas da ciência, defendendo a manutenção do isolamento como único meio de controle das contaminações e os consequentes riscos de morte para entes queridos.
Tudo isso parece atual, mas é o resumo realmente sucinto da obra de Camus, escrita em 1947, romance que tinha por escopo criticar fortemente o nazismo e a ocupação alemã na França, quando o autor fazia parte da Resistência. A “Peste” em Orão durou 10 meses, como parece ser o ciclo atual da real Pandemia do Coronavírus por aqui e em outros lugares do mundo.
O que conduz a história da cidade de Orão, é a esperança que a peste um dia acabe, como acontece com toda a opressão a que o homem é submetido, pois há o momento da revolta libertadora, justamente como na guerra, que naquele momento se combatia em boa parte da Europa, contra o avanço nazista.
Camus deixou-nos o aviso, que até agora parecia irrelevante, de que este tipo de vírus se mantém por “dezenas de anos a dormir nos móveis e nas roupas”, como, de fato, reapareceu e assim se propaga, 80 anos depois da peste imaginária de 1940. Atualmente, com o avanço das pesquisas científicas e relatos oficiais sobre o Coronavírus, as autoridades sérias e comprometidas com o bem comum, que estudam freneticamente a doença e uma possível vacina para a cura, indicam até o tempo que o vírus pode sobrevier em superfícies de todo tipo: metal, madeira, tecido, plástico, com suas variações, que nos obrigam a tomar todos os cuidados no manuseio diário dos produtos que necessitamos para viver e sobreviver.
Um clássico, segundo Italo Calvino, que escreveu obras memoráveis como Cidades Invisíveis, O Visconde Partido ao Meio, Il Barone Rampante e O Cavaleiro Inexistente, entre tantos outros “...é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha a dizer”.
Na França, por exemplo, Paris é Uma Festa (1964), de Ernest Hemingway, obteve um súbito aumento de público interessado, após os atentados terroristas do Bataclan, ocorridos em novembro de 2015. O mesmo houve com Notre-Dame de Paris (1831), de Victor Hugo, que teve uma versão equivocada como O Corcunda de Notre-Dame, onde o incêndio de grandes proporções na catedral, em 2019, trouxe de volta grande interesse pela obra.
Com a Pandemia do novo Coronavírus, em 2020, chegou a vez de “A Peste” e suas coincidências temáticas do enredo e as reflexões sobre a condição humana, nos mostrar como os livros clássicos têm a grandeza de nos fazer refletir sobre as grandes questões e acontecimentos da nossa história. Há uma clara defesa do autor da necessidade do combate ao totalitarismo político vigente na década de 1940, nos moldes do que atuavam os filósofos gregos antigos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, na sua Atenas da era antes de Cristo.
Em terras tupiniquins e nos equivalentes campeões de contágios, como EUA, Inglaterra e Rússia, que tratamos no artigo anterior (O Que Tem em Comum os Líderes Mundiais dos Contágios da COVID-19?) temos mais uma constatação histórica de negacionismo, alguns antes e durante; outros apenas no início e com a necessária mudança de postura diante do caos que se instalou na rede pública de saúde e as dezenas de milhares de mortos. E a história, naturalmente, tratará de nos confirmar as consequências das ações do tipo de governante a quem decidimos confiar os desígnios das nações.
"A história mostrou mais de uma vez como os destinos dos maiores impérios foram decididos pela saúde de seu povo e de seu exército; não há mais dúvida de que a história das crenças epidêmicas deve ser uma parte inseparável da história cultural da humanidade. As epidemias correspondem a grandes sinais de alerta que mostram ao verdadeiro estadista que um distúrbio ocorreu no desenvolvimento de seu povo, que nem mesmo uma política caracterizada pelo desinteresse pode negar." (ROSEN, George - Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro, Ed. Graal, 1979).
Como consequência de toda ação política há o rumo que a sociedade encontrará e não temos dúvida que é a ciência e o conhecimento técnico das pragas, dos vírus e das consequentes doenças, que continuará a nos manter livres para viver com saúde e liberdade, com todos os custos decorrentes.
"... o preço da liberdade é a eterna vigilância, sejam os mosquitos a ameaça, ou as vis intenções do homem." (BREILH, Jaime - Epidemiologia: economia, medicina e política, Santo Domingo, SESPAS - 1980)
Minha mãe, Hermelinda Lovison, na sua simplicidade no trato com as coisas da vida e da filosofia, sempre me dizia para eu estar atento, vigiar ao meu redor para que nada de mal me acontecesse. E este alerta, bem aprendido e aplicado – que pode ser o custo da liberdade, segundo Breilh –vale para tudo e para todos e eu, naturalmente, recomendo fortemente.